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A Palavra, A Verdade e a Forma

A cultura é o conjunto dos conhecimentos que, assimilamos pelo espírito, contribuem para o seu enriquecimento. Portanto, por uma cultura não podemos entender, apenas as artes, a literatura, o pensamento a ciência, mas também o conhecimento da actividade humana na indústria, no comércio, na agricultura, etc.

Talvez por erro exista divulgada a noção de “documentário cultural”. Infelizmente, há também muita gente inculta a fazer documentários exclusivamente para regalo da própria bolsa e sem um mínimo de preparação; muitos documentários que víamos nos cinemas (hoje os cinemas quase não nos mostram documentários) são mais um atentado a cultura do que propriamente contributos para o enriquecimento do espírito.

A narrativa visual é, como vimos, sobretudo imagem. A palavra é, na maior parte das vezes – e estamos a falar do documentário – num acessório dispensável. Se o cinema for capaz de descrever o assunto pela imagem, porque razão se há de encher uma banda sonora de palavreado? Em Portugal (e não só…) usa-se e abusa-se da palavra. Dir-se-ia que certos documentários são mais um discurso (oral) vagamente ilustrado do que um filme completado por palavras absolutamente indispensáveis.

O texto deste tipo de filmes ou programas, além de ser, geralmente, grosseiramente empolado, é também um nunca mais acabar de adjectivos e de números.

Quando se faz um filme ou (programa) didáctico, não só para crianças, mas também para pessoas crescidas, deve partir-se de um texto simples, claro, objectivo. A equipa encarregada de planificar o filme (neste caso, além do realizador e do autor do texto, mais um especialista do assunto a cinematizar) imaginaria que imagens podiam ir ilustrando o texto: que imagens acabariam portanto, por ser o filme ou programa. No decorrer desse trabalho em breve se verificaria que parte desse texto podia ser suprimido graças à imagem imaginada. E depois, como se tratava de um filme didáctico, concluir-se-ia que, de uma maneira geral, todas as imagens que apareceriam com texto seriam repetidas. È norma de um trabalho didáctico repetir sinteticamente numa imagem sem voz o que se havia mostrado acompanhado por explicação sonora. É norma porque pedagogicamente resulta.

O desenho animado (ou apenas o esquema desenhado) pode ajudar imenso uma explicação que pretendamos dar num filme didáctico.

Mas isto, portanto, diz respeito aos filmes educativos, ou didácticos, ou científicos, onde a palavra tem, às vezes, um papel complementar indispensável.

Agora, numa fita vulgar, sobre qualquer terra, mostra-se a praça e dizer-se ”a imponente praça”, um rio e dizer-se o ” belo rio”, a fábrica por fora e com o bem em evidência e dizer-se que “a gigantesca fábrica tem mil operários e produz milhares de contos de fio de nastro, com uma administração que é o orgulho do valente povo da terra”… Isto não é cinema, nem nunca foi cinema; isto é um exagerado arrazoado publicitário vagamente ilustrado por umas imagens apanhadas sem trabalho.

De quem é a culpa destes exageros? Algumas vezes, eles são culpas do realizador (e sobretudo culpa do produtor); muitas vezes, são culpa do cliente, que encomenda o filme e, porque o paga, acha que ele deve ser aquilo que quer e nada do que outras pessoas mais avisadas sobre o assunto achavam que seria mais inteligente.

Por outro lado, há a verdade da captação. Dei há bocado o exemplo do filme que mostra uma praça e se dizia “a imponente praça”, o rio e se dizia “o belo rio”, etc... Ora a verdade manda dizer que muitas das vezes nem a praça é imponente, nem o rio é bonito, nem a fábrica é moderna, nem as pessoas têm valor. E nesse caso, valia mais que se mostrassem as coisas tal e qual elas são: insignificantes, feias ou vulgares. Ao pô-las dessa forma estar-se-ia a utilizar a verdade, e só essa verdade interessa à cultura.

Finalmente, o cinema documentário actual tem de ser actual na forma. O cinema – a narrativa fílmica – moderniza-se permanentemente. As pessoas hoje “lêem” o cinema moderno com a mesma facilidade com que as mais antigas “liam” o cinema dos anos 30, e no entanto a forma transformou-se em absoluto: desde os movimentos de câmara, aos ângulos, aos raccords e ao tempo. Ir ao cinema hoje, ver um “ronceiro” documentário à maneira antiga (embora tratando um qualquer tema dos nossos dias) provoca um mal-estar que, não raro, degenera em largos risos e troças por parte da assistência.

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